Após decreto, moradores esperam fim de som alto em quiosques da orla; concessionária aposta em sensores de IA para monitorar barulho
14/06/2025
(Foto: Reprodução) Relatos de transtornos em bairros como Recreio, Leme e Copacabana contrastam com promessa de fiscalização tecnológica e diálogo com a vizinhança. Entre janeiro e maio de 2025, a Central 1746 da Prefeitura do Rio recebeu 10.272 chamados por perturbação do sossego em bares e restaurantes da cidade. Moradores do Recreio relatam transtornos com quiosques da orla
A promessa de tranquilidade à beira-mar virou frustração para muitos moradores do Rio de Janeiro. Em bairros como Recreio dos Bandeirantes, Copacabana e Leme, o barulho constante vindo de quiosques com música ao vivo e festas até de madrugada tem transformado a rotina de quem vive próximo à orla. Em alguns casos, o incômodo foi tão grande que resultou em mudança de endereço.
Agora, com o novo decreto da Prefeitura para ordenamento da orla, divulgado mês passado, alguns dos moradores renovaram a esperança por melhora na questão da poluição sonora.
"Mesmo com as janelas fechadas, parece que estamos dentro de uma boate. Crianças e idosos são os mais prejudicados. Isso é uma questão de saúde pública", desabafou um morador do Recreio que não quis se identificar.
"Nos fins de semana, o barulho começa às 14h e vai até 2h da manhã. Já liguei para o 1746 milhares de vezes. A resposta é sempre a mesma: que mandaram alguém, mas não encontraram nada", reforçou.
O g1 conversou com quatro moradores de bairros da Zona Oeste e todos relataram medo de revelar suas identidades.
"Todos os moradores aqui reclamavam. Ai marcamos uma reunião no prédio e convidamos os responsáveis pelos quiosques. Mas ninguém do prédio apareceu. Muitos acham que pode haver envolvimento com milicianos por parte de alguns donos de quiosques. Os moradores têm medo", alertou.
As denúncias apresentadas em relatos e em vídeos são anteriores ao decreto da Prefeitura do Rio, que tratou do ordenamento da orla. Enquanto alguns moradores esperam melhora, outros desconfiam que a autorregulação proposta pelo município não vá amenizar o problema.
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Dados do 1746 reforçam queixas
Entre janeiro e maio de 2025, a Central 1746 da Prefeitura do Rio recebeu 10.272 chamados por perturbação do sossego em bares e restaurantes da cidade. Os bairros com mais registros foram Camorim, Copacabana, Barra da Tijuca, Botafogo e Vargem Grande.
Um ex-morador do Recreio contou ao g1 que viveu nove anos na orla e desistiu do local por causa do barulho.
"A frequência era de sexta a domingo, de meio-dia às 23h, com som muito alto. Reclamei várias vezes com o proprietário do quiosque, liguei para o 1746, chamei a polícia, mas não teve solução nenhuma. Me senti desamparado pelo poder público. Acabei vendendo o apartamento por causa disso", disse outro carioca que não quis se identificar.
Orla Copacabana dia de sol quiosques praia tempo bom
Arquivo pessoal
No Leme, os moradores do bairro da Zona Sul afirmam que o problema é diário.
"Os quiosques se tornaram casas de show com uso de amplificadores, mesmo num espaço tão exíguo. Durante o dia, o volume excessivo interfere nas atividades cotidianas como descanso, leitura e estudo. É estressante o ruído continuado", comentou uma moradora.
Ela criticou a atuação dos agentes públicos, que não conseguem manter um nível de barulho aceitável na região.
"Há uma certa coreografia entre agentes municipais e os bares e quiosques infratores. Os agentes apenas ‘orientam’ o estabelecimento a baixar o volume. Assim que se afastam, o som volta ao volume anterior", contou.
Em Copacabana, os relatos se repetem. Moradores afirmaram que o trecho em frente ao Hotel Hilton se transformou em uma “boate a céu aberto”.
"Se você sentar num banco no calçadão e tentar conversar, é impossível. Praia não é lugar de casa de espetáculo. Hoje virou um domínio de tudo que é tipo de situação. Fora de controle", analisou outro morador.
Nova regulamentação e autorregulação
No fim de maio, a Prefeitura do Rio anunciou a flexibilização do decreto nº 56.072, que trata do ordenamento da orla.
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A partir da mudança, voltou a ser permitida a realização de apresentações musicais ao vivo nos quiosques, entre 12h e 22h. Também foi liberada a venda de bebidas em garrafas de vidro e a identificação dos barraqueiros nas placas.
A fiscalização, no entanto, passa a contar com um modelo de autorregulação dos concessionários, além da atuação da Secretaria Municipal de Ordem Pública e da Guarda Municipal.
O novo modelo de autorregulação será monitorado pela Orla Rio — concessionária responsável pela operação e manutenção de mais de 300 quiosques na cidade.
Em contato com o g1, a Orla Rio informou que a aplicação de multas e sanções é de responsabilidade da Secretaria Municipal de Ordem Pública (SEOP) e da Guarda Municipal. As penalidades previstas no decreto vão de R$ 1 mil na primeira infração até a cassação do alvará na terceira.
Sensores com IA para medir o volume do som
Em resposta às denúncias de moradores e aos flagrantes de som alto fora do horário permitido, a Orla Rio afirmou que já realizava monitoramento dos quiosques antes mesmo do novo decreto da prefeitura.
Quiosque com estrutura montada na areia da Praia de Copacabana
Alba Valéria Mendonça/ G1 Rio
Segundo a concessionária, em 2024 foram feitas 181 comunicações formais sobre irregularidades como som alto e eventos fora do horário. Em 2025, até o momento, foram 23.
Com a assinatura de um Acordo de Cooperação Técnica com a Prefeitura, a Orla Rio disse que inicia uma nova fase de atuação, mais integrada com os órgãos públicos. Entre as medidas anunciadas estão:
Criação de uma Gerência de Ordenamento com equipe dedicada a rondas e monitoramento sonoro;
instalação de sensores com inteligência artificial para medir o volume do som em tempo real;
elaboração de projetos técnicos de som personalizados para cada modelo de quiosque;
criação do selo “Música Legal”, que certifica os quiosques que seguem as normas;
distribuição de cartilhas educativas e realização de treinamentos com os operadores.
A concessionária informou que os sensores com inteligência artificial serão instalados em todos os 309 quiosques sob sua gestão. O objetivo é medir o volume do som em tempo real para garantir que os quiosques respeitem os limites estabelecidos pelo decreto municipal.
Os dados captados pelos sensores serão compartilhados com os órgãos públicos por meio de um canal direto, viabilizado pelo Acordo de Cooperação Técnica com a Prefeitura.
A tecnologia visa coibir abusos, como eventos com som alto fora do horário permitido (12h às 22h), e dar mais transparência ao processo de fiscalização.
Quiosque Ginga Rio terá show de forró
Reprodução/Instagram Ginga Rio
Também de acordo com Orla Rio, moradores que quiserem denunciar irregularidades devem continuar utilizando o canal oficial 1746 da Prefeitura.
Contudo, a concessionária também disponibiliza um número de WhatsApp — (21) 3154-8282 — para receber relatos e colaborar com os órgãos de fiscalização.
Dono de quiosque defende equilíbrio
Bruno de Paula, responsável pelo quiosque Coisa de Bamba, em Copacabana, acredita que é possível manter a música na orla sem desrespeitar quem mora perto. Para ele, o segredo está no cumprimento rigoroso das regras e no diálogo constante com a comunidade.
"Os quiosques com toda a certeza são os equipamentos da cidade que mais recebem turistas. Eles vêm atrás de música, entretenimento, conforto e uma boa comida. Mas é preciso viver com regras e ordem", afirmou.
Bruno também destacou a importância econômica da atividade.
"Só eu emprego 150 funcionários, além de 250 músicos por mês. Estamos falando de 400 pessoas que precisam da música ali. O quiosque é um palco de alegria, da brasilidade e da diversidade. E isso não pode acabar", analisou o empresário.
Ele reconhece que há críticas, especialmente em relação à música eletrônica e aos eventos com amplificadores, mas acredita que o caminho é o entendimento.
"Acho que com diálogo e sabedoria a gente consegue muita coisa. Desde o início do novo decreto, envio todo dia para a presidente da Associação de Moradores do Leme um vídeo com meu operador de som medindo os decibéis. É o mínimo que posso fazer por consideração", explicou.
Sobre a fiscalização, Bruno vê com bons olhos a atuação da Orla Rio e aposta na autorregulação.
"Acredito muito nesse modelo. A Orla Rio tem total potencial de fiscalizar seus operadores. E nós, operadores, podemos fiscalizar uns aos outros", finalizou.